Segunda-feira, 1 de Abril de 2013

Forte Apache...

As piadas da caserna se repetem a cada ano, podendo ser adaptadas a qualquer tempo, espaço, posto ou graduação. O que vou fazer aqui não é contar mais uma, e sim lembrar grandes amigos dos velhos tempos, de quem não tenho notícia há mais de quatro décadas, desde que fui licenciado.

O Subtenente é militar escolado, traquejado, disciplinado e competente, qualidades sem as quais jamais alcançaria a mais alta graduação no âmbito das praças. Se o Capitão Comandante de Subunidade representa o pai dos recrutas, o Subtenente, por ser mais vivido e mais experiente, poderia ser o avô, aquele sujeito bacana, compreensivo, que quebra qualquer galho.
Nos três anos em que atuei como Furriel, sargento que cuida da folha de pagamento dos praças, exerci minhas funções na Reserva – sala de trabalho do Subtenente e Almoxarifado da Companhia, cujo material emprestado só sai dali mediante cautela, uma espécie de recibo –, onde convivi com três excepcionais chefes, todos mineiros.

Na Companhia de Petrechos Pesados – 1, do 12º Regimento de Infantaria, em Belo Horizonte, MG, comecei, recém-saído da EsSA, com o Subtenente Bertucci – só me recordo do seu nome de guerra –, um ex-combatente, que atuou no Teatro de Operações na Itália. Vou contar um caso envolvendo o Subtenente Bertucci. Foi no ano de 1958, quando o 12º Regimento de Infantaria, o Doze de Ouro, passava do sistema hipomóvel para o motorizado.

Vocês não avaliam o rebu que tocou nas Reservas dos Subtenentes, em especial nas Companhias de Petrechos Pesados – CPP, cujos morteiros e metralhadoras eram transportados nos lombos dos muares.
Na Reserva da CPP-1, não tínhamos tempo para dizer arroz. Deveríamos recolher, em curto espaço de tempo, todo o material a substituir, como carroças, reboques, cozinhas portáteis, selas, cangalhas, brides, cabrestos, rédeas, focinheiras, antolhos e o escambau, além dos mencionados muares. Tudo isso registrado minuciosamente, no Livro-Carga, ficando toda a operação sob o comando e a responsabilidade do Subtenente da Companhia, ou seja, do Subtenente Bertucci.

Esse, assoberbado com tantos afazeres, era constantemente interrompido por algum dos envolvidos na operação, trazendo-lhe problemas os mais diversos. Por isso, tomou uma atitude assaz acertada. Toda a vez que lhe aparecia qualquer desses enrolados, ele sustinha sua lengalenga, dando-lhe a terrível ordem: “TRAGA ISSO POR ESCRITO!” Não falhava, o sujeito saía, encontrava uma solução para o caso e nunca mais voltava à Reserva com mais outro.   Mas essa tática não funcionou com o Cabo Rufino, que labutava com os muares lá nas baias. Certo dia, ele chegou nervoso na Reserva e começou um interminável blablablá, interminável não, porque o Sub o cortou com a ordem: “ESCREVA ISSO!” O Cabo Rufino retirou-se, mas não demorou. Em pouco tempo, estava ele de volta com seu relato:
“PARTICIPO-VOS QUE O BURRO 45, VULGO BONIFÁCIO, ENTROU ALOPRADO NO NOSSO DORMITÓRIO, LÁ NAS CAVALARIÇAS, ZURRANDO E ESCOICEANDO, O QUE RESULTOU NA QUEBRA DE UM POTE DE BARRO E DE UMA MORINGA DO REFERIDO METAL.”

O Subtenente Brasil muito me orientou para o Exército e para a Vida. Era um estudioso da Língua Portuguesa, o que me fez também tomar gosto pela boa leitura e até a comprar o meu primeiro dicionário, um Aurélio, que me acompanhou de 1958 até janeiro de 1972, quando a Reforma Ortográfica acabou com o acento diferencial, tornando-o obsoleto.
A nossa Reserva era, portanto, uma sala de estudo, pois estávamos constantemente tirando as nossas dúvidas e as dos colegas que nos procuravam.  Dispúnhamos, para fornecimento ao pessoal escalado para serviço externo, de dois tipos de armas de cano curto: o revólver SMITH & WESSON e a pistola COLT, ambos de calibre 45.
Pois bem, eis que, senão quando, aparece-nos o 3º Sgt Baldomero, Ferrador, com esta preciosidade de cautela: “RESSEBÍ DA REZERVA DA CPP-1, PARA O SERVISSO DE PATRULHA NA ZBM, UM REVOLVER CIMITE OESSE, CALIBRE 45”.

Ao ler o documento, o Subtenente Brasil não conteve sua perplexidade e chamou o Sargento no saco:
– Sargento Baldomero, esta cautela está eivada de erros!
O Sargento tirou o corpo fora:
– Seu Sub, a culpa não é minha. Quem datilografou isso foi o Cabo Laurentino, eu só fiz assinar!
O Subtenente insistiu:
– Mas como é que você assina um documento sem ler antes? Os outros erros até que dão pra passar, mas este CIMITE está demais da conta!
Baldomero não se deu por achado:
– Pois é, Seu Sub, na hora eu até falei para o Laurentino: “Cabo Velho, esse CIMITE é com C cedilhado!”

O terceiro foi o Subtenente Haroldo Batista, já na Polícia do Exército de Brasília. Um espelho para todos nós. Natural de Patos de Minas, bem mais novo que os já citados, atualizado, culto e bem-humorado, participava – sem perder a autoridade, nem quebrar a liturgia do cargo – de todas as brincadeiras e jogos no Alojamento e no Cassino dos Sargentos, quando estávamos aquartelados, de prontidão – e isso, no início dos anos 60 era mais comum que o período de normalidade. Árduos tempos.

Como os que prestaram o serviço militar devem saber, todo Cabo é “Cabo Velho” e todo Subtenente é “Seu Sub”. Na Aeronáutica, por exemplo, os Suboficiais são assim nomeados: Sub Bessa, Sub Pereira, Sub Martins, etc. Pois bem, o Subtenente Haroldo, que topava qualquer parada, qualquer contratempo, jamais admitiu que o chamassem de Sub. Não tenho notícia de outro que assim procedesse. E a exceção era para todos, do Comandante ao Corneteiro.

Se um subordinado desatento o chamasse de Sub, imediatamente ele o enquadrava: “Tome a posição de sentido para falar comigo.” E, em seguida, dava-lhe uma mijada daquelas. Se fosse um superior seu, aí sim, ele é que tomava a posição de sentido, se apresentava e inquiria: “Sub o quê, Meu Senhor? Subsolo, submarino, sub-raça? Eu Sou é Subtenente do Exército, de acordo com a lei!”
Desarmava qualquer cristão!

Para os que não serviram, vai ser difícil captar a sutileza do lance que ora narro. Por isso, achei de bom alvitre dar uma pequena explicação, antes de enfiar a cara no sucedido. De acordo com os regulamentos militares, a tropa também faz continência ao deslocar-se, olhando à direita ou à esquerda, conforme o local em que esteja o oficial, quer seja Tenente ou Marechal. Deu pra entender? Então, prossigamos.

Na EsSA – Escola de Sargentos das Armas, a quantidade de oficiais transitando por suas ruas – ruas sim, porque a Escola é uma pequena cidade – é deveras marcante. E o aluno tem que ficar atento para prestar as honras, sob o risco de ter uma anotação desabonadora na sua ficha ou, no mínimo, levar uma mijada.
Certa manhã primaveril, lá ia o Aluno Abdala, na função de Chefe da Turma B-8, conduzindo a mencionada para a sala de aula.

De repente, não mais que de repente, surge-lhe um superioríssimo, caminhando em sentido contrário. Então, o nosso herói emitiu o comando:
– Turma, sentiiiiido! Olhar à esqueeeeeerdá!

E já ia levar a mão à pala (só o que comanda é que faz a continência), quando percebe ser a autoridade apenas um Subtenente. Mas o Abdala era esperto, sabia se virar, não acusou o golpe. Daí, lascou em alta voz:
– Turma, última foooooorma! Subtenente não tem direeeeeeitô!
(Raimundo Floriano)
....................................
Esta pérola de crônica eu dedico ao Cabo Velho Capela, que serviu em Caçapava na CPP. Eu servi na 2ª Cia Inf (núcleo base).
publicado por anotiprimme às 12:21
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